22/07/2022
Por Marcilei Rossi
Diário Do Sudoeste
Obra de Rubens Meister no sudoeste do Paraná, a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Luz é um marco do movimento modernista localizado no coração de Clevelândia
A arquitetura sacra tem uma grande importância para a composição de uma cidade. Sua relevância vai além da fé da comunidade, mas marca, na maioria das vezes, o momento de transformação de uma sociedade, seja cultural, social ou política. Basta observar como diversas cidades brasileiras se construíram ao redor de uma igreja.
“A arquitetura religiosa é a base de toda a arquitetura brasileira. A igreja é o início de diversas cidades na formação do território e, quando não, torna-se sempre um ponto focal e referencial na cidade”, destaca Bruno Soares Martins, professor e coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mater Dei (Unimater). De acordo com o professor, a arquitetura religiosa tem grande expressão urbana, vínculo com os colonizadores, com o surgimento e cultura de uma cidade. “Através das igrejas, muito da história local acaba acontecendo.”
Um exemplo que facilmente lembra a importância da arquitetura sacra para a história do Brasil é a cidade de Ouro Preto (MG). Uma das primeiras cidades tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda em 1983, a cidade mineira guarda a vida de um regime econômico imposto pela mineração, mais ainda de aspectos religiosos e governamentais.
Entre os patrimônios religiosos preservados em Ouro Preto estão as igrejas São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Pilar, da Conceição e do Carmo.
“Assim como nas cidades romanas, as igrejas são edifícios expressivos, tornam-se destaque na paisagem e referencial urbano”, destaca Martins. Ao mesmo tempo em que Ouro Preto, no sudeste brasileiro, é um símbolo do catolicismo estabelecido no Brasil muito pela presença de portugueses naquela região, a ocupação do Sul por imigrantes italianos, alemães, poloneses, entre outros, também contribuiu com a arquitetura sacra. Tanto historiadores como relatos orais de descendentes destes imigrantes apontam uma grande preocupação com um espaço destinado a demonstração de fé. A transformação social também foi responsável pela ampliação do que, antes, eram modestas igrejas para templos que passaram a abrigar cada vez mais fiéis.
A Igreja dedicada a Nossa Senhora da Luz, em Clevelândia, é um exemplar da transformação social da comunidade. Inicialmente edificada em madeira, deu lugar, em 1968, a uma nova e imponente construção.
Assinada pelo arquiteto Rubens Meister, a atual sede da Paróquia Nossa Senhora da Luz, em Clevelândia, foi inaugurada em 8 de setembro de 1968, ainda quando padre Abramo Franklin era pároco. Segundo o Livro Tombo, foi ele que, nos anos que antecederam a construção da igreja, mobilizou a comunidade para a construção do novo templo.
O projeto original tem, no pátio anexo à Igreja, uma torre de 35 metros de altura com um sino e capela dedicada à realização de batizados – celebração que, por ora, é realizada no altar-mor. Somente a nave, também descrita como corpo da Igreja, possui 1.250 metros quadrados. Outro aspecto que chama a atenção são as pedras sobrepostas, com raras as ocasiões que são fixadas com algum tipo de cimento ou revestimento. Ainda há uma pequena capela atrás do altar.
Para Martins, a obra de Meister em Clevelândia, mesmo carregando consigo elementos da arquitetura religiosa, “estava à frente de seu tempo quando projetada e construída”.
O professor destaca que o arquiteto “soube aproveitar elementos vernaculares [como é chamada a arquitetura que se utiliza de materiais próprios de uma época ou lugar específico], como as pedras locais, envolvendo a população no processo de construção, trazendo senso de pertencimento e importância de todos no na composição de uma cidade”. A afirmação de Martins faz referência ao fato de que as pedras utilizadas para a construção foram removidas de uma das margens do rio do Banho, que corta parte do território de Clevelândia.
Já os vitrais, que permitem que a luz adentre à igreja, foram trazidos da Alemanha e são compostos por duas retóricas diferentes: os laterais ilustram as 15 estações da Via Sacra; e o que está sobre a porta principal retrata o Imaculado Coração de Maria. Com a nova Igreja entregue a comunidade clevelandese, a modesta estrutura que até então abrigava os fiéis, foi transferida para o bairro Vila Operária, onde hoje rende homenagem a Nossa Senhora dos Remédios.
Padre Ozanilton Batista de Abreu, que chegou na Paróquia Nossa Senhora da Luz em abril de 2015, deixou a comunidade de Clevelândia em 2022 para atuar como pároco e reitor da Basílica Nossa Senhora de Lourdes, em Belo Horizonte (MG).
Em poucas palavras, o religioso define a igreja de Clevelândia como a “mais linda do Sudoeste”. Também, pudera: Padre Ozanilton mantém viva na memória a primeira impressão que teve do templo. “Foi um sentimento maravilhoso. Ao entrar pela porta central, sentia que a Igreja me abraçava. Suas paredes de pedras, sem cimento e uma sobreposta na outra, seus belíssimos vitrais e Nossa Senhora da Luz no centro me dando as boas-vindas. As três primeiras atitudes quando cheguei foram beijar o chão da praça, abraçar a cruz na frente da Igreja e beijar o altar. Depois fui no sacrário, diante de Jesus Eucarístico, agradecer tamanho presente que o Senhor me concedeu. O sentimento foi de muita grandeza espiritual, que era a missão que me foi confiada: ‘levar a paz de volta a Clevelândia’”.
O religioso comenta ainda que, além das pedras retiradas das margens de um rio do próprio município, “muitos pioneiros ajudaram na mão-de-obra, e cada espaço da construção foi realizado com dois grandes sentimentos: ‘amor e fé’. Sempre ouvir essas palavras de muitos paroquianos que se dedicaram a tamanha obra de arte.”
Quem foi Rubens Meister
Descendente de suíços, Rubens Meister nasceu em 1922, em Botucatu (SP), porém, foi criado em Curitiba (PR), onde residiu até 2009, quando faleceu.
Conhecido como “Pai do Teatro Guaíra”, o arquiteto também assina obras como a Rodoferroviária, o Palácio 29 de Março, sede do Executivo Municipal e o Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), todos em Curitiba.
Também na capital paranaense, Meister projetou a sede da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), o edifício Barão do Rio Branco, o prédio da Caixa Econômica Federal na Praça Carlos Gomes.
Segundo o livro “Rubens Meister – Projeto e Obra”, lançado em janeiro de 2019, de autoria de Paulo Chiesa, Fabio Domingos Bastista e Deborah Agulham Carvalho, são mais de 400 obras de autoria do arquiteto, que foram distribuídas principalmente no Paraná e Santa Catarina, em um período de cinco décadas contínuas de atividade profissional (1940-1990).
Arquiteto ícone do Movimento Moderno, Meister, foi professor do curso de Arquitetura e Urbanismo, que ajudou a criar, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para o professor Bruno Soares Martins, “Rubens Meister foi um gênio da arquitetura paranaense e brasileira, desenvolvendo um trabalho à frente do seu tempo, fortalecendo a arquitetura brasileira na superação da dependência cultural. A arquitetura com características do brutalismo [obras com aparência inacabada] e de técnica extremamente apurada expressa a capacidade de Meister na solução de edifícios expressivos e que marcaram época.”
Com relação a presença do ícone da arquitetura no Sudoeste, Martins comenta que “grandes arquitetos normalmente não têm obras expressivas no interior do estado”. Ao mesmo tempo, o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unimater afirma não ter “conhecimento de outras obras expressivas como essa ou que tenham sido referenciadas no projeto da igreja e até mesmo no trabalho do Meister.”
Para ele, a possibilidade de outros projetos assinados por Meister, principalmente no interior do estado, e que não saíram do papel são motivos de tristeza. “Perdemos uma grande oportunidade de manter viva e próximo da gente uma arquitetura expressiva, reconhecida e de extrema qualidade. Certamente seriam grandes estudos de caso para as novas gerações.”
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