
“Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo” essa frase é atribuída a Freud, famosa personalidade do século XX, médico neurologista mundialmente conhecido como pai da Psicanálise e muito citado quando não compreendemos algo e enfaticamente dizemos: “Freud explica”.
Nas relações humanas socializar traz consigo um ato bastante utilizado e negado: a fofoca. Mas, afinal, o que a define? Segundo o dicionário é um verbo transitivo e intransitivo transmutado em: contar novidades, tricotar, trocar figurinhas, falar de outrem, pois “falam de nós também”. Potencializa escândalos quando o foro privado é exposto, se espalha ao sabor do vento replicada em chacotas ou piadas. Na berlinda, a vítima da vez será execrada, mas é um fato momentâneo pois logo será substituída, e quem foi alvo que administre as consequências em sua vida pessoal e emocional.
A fofoca ajuda na criação de laços de confiança. É uma forma de identificarmos quem faz ou não parte do nosso grupo de convívio. Quando estamos numa roda de conversa, a fofoca surge nos comentários sobre
costumes, crenças, preconceitos, superstições, traições amorosas, relações de trabalho e gestão pública. Sob essa ótica, verificamos uma variada programação nas redes de televisão aberta e nos canais por assinatura, onde o entretenimento é bisbilhotar, espiar, fofocar.
Historicamente, a sociedade colonial brasileira foi se estabelecendo em povoados onde o convívio social se resumia à lavoura e atividades da Igreja. As celebrações religiosas eram o ponto de encontro. Quando falamos em sociedade colonial nos referimos a um recorte do período em que a unidade produtiva era o engenho de açúcar no nordeste brasileiro, onde inicialmente a colonização portuguesa se estabeleceu. A vida dos Senhores é mistificada por um rigor de comportamentos com lugares delimitados e marcados como se fosse uma dança coreografada. Ledo engano: se somos seres sociais, obviamente essas regras não se aplicam; barreiras estruturais podem ser transpassadas e conjunturas rompidas, pois, precisamos da convivência para frutificar nossa existência e neste contexto falar do outro é muito atrativo. Essas referências nos são dadas pela literatura e pela historiografia no livro Histórias íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil de 2011. A historiadora Mary Del Priori, visita os costumes brasileiros desde o período colonial nos proporcionando uma reflexão sobre a hipocrisia dos costumes e mostrando o quanto atrativo é o tema da intimidade nos lares, nas alcovas, o que se faz e o que se esconde:
“E ali, no coração da vida privada, a intimidade: a fronteira fluida entre o indivíduo e o mundo, o espaço preservado contra as agressões. Ali, o corpo, o sexo, o amor, a imaginação, a memória e tudo o mais que seja cumplicidade consigo mesmo. Na intimidade podemos levantar todos os véus e nos perguntar quem somos. E quem somos? Indivíduos de muitas caras. Virtuosos e pecadores, oscilando entre a transigência e a transgressão. Em público, civilizados. No privado, sacanas. Na rua, liberados, em casas, machistas. Ora permissivos, ora autoritários. Severos com os transgressores que não conhecemos, porém indulgentes com os nossos, os da família. Ferozes com os erros dos outros, condescendentes com os próprios. Em grupo, politicamente corretos, porém racistas em segredo. Fora, entusiasta dos "direitos humanos", mas, cá dentro, a favor da pena de morte. Amigos de gays, mas homofônicos. Finos para "uso externo" e grossos para o interno. Exigentes na cobrança de direitos, mas relapsos no cumprimento de deveres.”
Sempre tive a curiosidade de saber como seria o convívio social à parte dessa imagem construída nos registros. Quando ouvimos relatos do passado vivenciado por alguém nos transpomos para aquele período e somos inundados pelo saudosismo manifestado através de ditos como: “éramos felizes e não sabíamos”… Então aqui vale lembrar que nas cidades interioranas o centro da cidade geralmente é organizado a partir da Igreja, da praça e do Paço Municipal, dar uma volta na praça faz parte do ser visto e notado e também proporciona encontros que podem motivar a trocas de novidades ou até desenvolver flertes românticos. Muitos casais se formaram e quiçá ainda surjam desses itinerários. Nos idos de 1980 em diante destaco aqui, das minhas memórias na nossa Meiga Terra Clevelândia, a rotina de aos domingos ir à missa das 19 horas, assistir a uma sessão de cinema no Cine Luz e terminar a noite na Pizzaria D’Italliani, não necessariamente nesta ordem. Outro point de referência foi o Kachorrão, antecessor dos Food Trucks, que, além de proporcionar o encontro dos jovens, servia literalmente o melhor cachorro – quente da cidade, o “muro da vergonha”, tal alcunha não se sabe ao certo a origem, reunia os jovens descolados e malfalados, a Banca da Praça em frente à prefeitura, nas tardes de domingo efervescia de jovens reunidos em seus grupos, circulando, trocando ideias e, por que não dizer, proporcionando fofocas…
Cada geração de habitantes certamente tem lembranças de lugares e pessoas de sua convivência atrelado à fofoca, que é recorrente em cidades pequenas pois, de um modo ou de outro, todos se conhecem.
No ato de fofocar a hipocrisia aparece de forma magistral, quando nos desobrigamos de praticar o mesmo comportamento da fofoca. Mas o que seria a hipocrisia? Hipocrisia deriva do latim e do grego e na antiguidade, significava “a representação no teatro dos atores que usavam máscaras, de acordo com o papel que representavam em uma peça”. Na convivência social, hipocrisia significa fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtudes, que na realidade não possui. Na fofoca do cotidiano o hipócrita surge quando acredita honestamente que sua conduta jamais transgredirá quaisquer regras sociais, Os ditos populares são vastos quando inseridos no contexto do ato de replicar a fofoca. “Quem tem telhados de vidro não atira pedras ao do vizinho”.
São muitas variantes que podemos construir a partir das relações sociais que originam fofocas. Uma ressalva importante é que essa troca incipiente de novidades pode tomar proporções descontroladas , o que hoje comumente é denominado de cancelamento. Fatos pitorescos ajudam a construir a memória que é uma prática social exercida por todos e quaisquer membros de uma dada sociedade humana, porém, todo cuidado é pouco para não sermos reconhecidos por alcoviteiros da vida alheia. E então, fofocar é preciso?

Autora: Alice Kachuki
Professora Graduada em História e Pedagogia, que eventualmente aponta palavras em rabiscos textuais ....