
Numa fria manhã de julho, Paulo despertou ao som produzido pela chuva ao cair nas pedras ao lado de seu quarto. Olhou para o relógio e viu que não estava na hora de levantar para ir ao trabalho. Então, em sua cama, lembranças da infância começaram a surgir.
Paulo sempre foi um menino sapeca e adorava o inverno, principalmente para poder ficar em casa o dia todo, já que estava em férias da escola, na maior parte do tempo. Seu dia resumia-se a ficar em frente à televisão e na janela do seu quarto, vendo a chuva cair e sentindo um frio gostoso que entrava por ela. Logo cedo, Paulo acordava e ia para a cozinha, quentinha, pois sua mãe havia preparado o fogo no velho fogão à lenha. Então, ele tomara seu café, sempre com torradas deliciosas e doces ora de uva, ora de abóbora. Em seguida ia para a sala assistir a TV, e ali ficava a manhã toda. Quando era muito frio, seu pai colocava o aparelho de TV na cozinha, então ele ficava ali sentado, perto do fogão quente, assistindo e conversando com sua mãe.
_ Mamãe, o que a senhora irá fazer para o almoço?
_ Hoje terá sopa, meu filho. Está muito frio, e precisamos nos aquecer bastante.
Sopa. Palavra mágica para Paulo, desde bebê sempre foi apaixonado pelas deliciosas sopas preparadas pela sua mãe.
A hora do almoço se aproximava, e aquele cheiro delicioso estava pela casa toda. Paulo sentia que sua barriga estava vazia, pronta para receber o almoço mais delicioso de todos. Quando seu pai chegava, era uma festa, corria para abraçá-lo e beijá-lo. Sua mãe fazia o mesmo. Em seguida, os três sentavam à mesa, agradeciam a Deus pelo prato do dia e serviam-se.
Na cabeça de Paulo muitas coisas passavam enquanto almoçavam. Ele passava horas e horas pensando como seria o emprego do seu pai, que ele nunca poderia ir, visto que na empresa onde ele trabalhava era proibida a entrada de crianças. E ele deveria ganhar muito bem, pois não era fácil manter uma casa, sozinho, o mês inteiro. Aliás, imaginação fértil sempre foi o ponto alto de Paulo. Teve uma vez, que ele decidiu que queria subir em uma árvore de pêssego, para pegar o pêssego mais bonito que estava bem no alto. Subiu, subiu, galho em galho, e caiu. Quebrou o braço esquerdo. Ficou algum tempo engessado, ele então tinha apenas quatro anos. Mas agora, dois anos se passaram desde esse incidente, e ele nunca mais ousou subir em árvores.
Na maior parte das vezes, o silêncio absoluto era companheiro nas refeições da família de Paulo. Após o término do almoço, ele sempre ajudava sua mãe secando a louça, em seguida, seu pai voltava ao trabalho e sua mãe terminava de arrumar a cozinha. Paulo, então, se voltava para frente da TV, e mais tarde ia ao seu quarto a fim de ficar observando o passar do tempo através do vidro da janela.
E assim, ali, encostado na janela, ora ou outra com algum pequeno brinquedo em mãos, Paulo via o dia acabar-se e a noite de inverno chegar. Seu pai voltava para casa, sempre com algo novo para contar, com o jornal do dia em mãos. Todos se reuniram em frente ao fogão à lenha, o pai de Paulo lia e comentava as principais notícias do jornal. Ele achava um máximo aquilo tudo, e perguntava-se se seu pai não era quem escrevia aquelas notícias. Ele atentamente ouvia o que seus pais falavam. Em seguida, ia para o banho.
Quando o telejornal nacional entrava no ar pela TV, a casa toda fazia silêncio, o jantar rapidamente era servido. Sentavam-se à mesa. Silêncio absoluto para ouvirem as principais notícias do dia. Jantavam e o telejornal terminava. Ao início da novela das oito, Paulo e seu pai conversavam e brincavam. Sua mãe limpava toda a cozinha e vidrava-se em frente à TV para assistir sua novela favorita.
Paulo já se sentia cansado. Tivera um dia cheio. Até que certo dia, perguntou ao pai:
_ Papai, por que aqui em Clevelândia não neva?
_ Porque o frio que aqui temos não é suficiente para nevar, meu filho. Mas nossa região já viu muita neve. Mas isso quando aqui era mais frio. Agora, infelizmente não neva mais.
Com tristeza, por não poder ver neve ao vivo, o pequeno Paulo pede a bênção de seus pais e vai para o seu quarto. Já é hora de dormir. Deita-se em sua cama, faz uma oração e logo adormece. Mas em sua mente, a neve que infelizmente ele não veria em Clevelândia, permanece.
Agora, Paulo já tem 20 anos. Está um homem. Porém, as lembranças do passado continuam povoando sua mente. De lá para cá muita coisa mudou. Paulo já vira neve de perto em uma viagem que fizera há alguns anos antes junto com colegas da escola, para o Rio Grande do Sul. Encantou-se com o que viu e jamais esqueceu.
Sua infância alegre e divertida, hoje não volta mais. Seus tempos de poder ficar na cama a manhã toda vendo os desenhos do programa da Xuxa acabaram. Agora, sendo um homem, Paulo tem deveres que outrora não tivera. Sem perceber, uma lágrima cai de seu olho e rapidamente ele trata de enxugá-la.
Levanta-se, não está de férias, precisa trabalhar, para sustentar sua casa. Vai ao banheiro para lavar o seu rosto. Chove lá fora. Ao passar pela sala, seus olhos fixam-se em um quadro, na parede, próximo a TV. Ele e seus pais estão ali. Sorrindo, felizes. A última foto que tiraram juntos. No último inverno que estiveram juntos.
Hoje restam apenas lembranças, saudades, daquele tempo que não volta mais. Paulo, sozinho, homem feito, tenta equilibrar sua vida, com o coração saudoso de sua infância encantada.
Rodrigo Antonio Toigo