Era uma noite qualquer. Mais fria do que o comum, é verdade. Ah, e chovia. Lembro-me muito bem. Estava eu em minha casa, aconchegante e quente, quando senti que estava com fome. Sim, senti. Passei a tarde toda em meio aos meus livros, lendo, estudando, pesquisando. Quando notei, já era noite, e eu estava faminto. Apenas almoçara naquele dia. Então, resolvi ligar para pedir um lanche.
Como eu não havia tirando nem meu rosto de casa, naquele dia, resolvi pegar meu carro e buscar o lanche pedido. Como disse, chovia. Enquanto me aproximava da lanchonete, as gotas de chuva que molhavam o para-brisa do meu automóvel tornaram-se mais fortes e grossas. Àquela chuva torrencial da tarde voltava.
Estacionei bem à porta da lanchonete, esperei alguns segundos a chuva dar uma diminuída. Passado algum tempo, e a chuva diminuindo sua intensidade, saí do carro correndo. Parecia o novo dilúvio de Noé.
Foi chegando à calçada que eu o vi. Sim, ele estava, mesmo com aquela chuva e aquele frio, com um calção simples e uma camiseta manga curta rasgada. Era uma criança de no máximo dez anos de idade. Não teria mais que isso, jamais. Nossos olhares se cruzaram.
_ Tio, o senhor tem uma moedinha pra me dar? “Tô” com fome. Queria “comprá” um lanche “pra mim”.
Não estávamos nos molhando porque o toldo acima da porta nos protegia. Engoli em seco, em segundos minha vida tranquila, aquecida, e de bons recursos passou pela minha cabeça. Desmoronei-me ali mesmo. Não, não caí, nem chorei. Usei uma boa metáfora aqui, mas a verdade é que fiquei sem ação com aquela fala, que não pude deixar de notar, detonava com a nossa língua materna.
Mas o que seria uma boa língua materna para aquele pobre coitado com fome à minha frente? Respondi que pediria para que lhe fizessem um lanche, pagaria, e que após pegá-lo, comesse e fosse para casa.
O menino agradeceu. Eu entrei, fiz o pedido para ele, peguei e paguei o meu lanche e daquela criança, destinada à miséria, à fome e a um futuro que não consigo nem imaginar. Saí e o vi, sentadinho na calçada molhada, encolhido de frio, esperando o lanche que eu pagara a ele.
Não é de hoje que vejo crianças assim. Nem que pago um lanche para eles. Não me diminui nem me faz falta, mas também não me sinto um super herói fazendo isso. Percebo o quão sou e somos pequenos diante de um mundo miserável em que vivemos. Como podem crianças, pequenos indefesos que serão o futuro da nossa pátria, jogados a própria sorte, passando fome, frio, e quiçá sem um lar para morar, uma família digna para junto viver?
O quão pobre somos compelidos à miséria que nos ronda, a nossa própria miséria de espírito. Sinto que faço pouco, poderia fazer mais. Mas percebo que não tenho forças (ou seria coragem, capacidade, humildade) para ajudar. Não consigo ficar feliz mesmo sabendo que naquela noite aquela criança não dormiu com fome. Não fico feliz porque aquela não é a única noite dele, e ele não é a única criança que passa fome nesse mundo.
Rodrigo Toigo