07 de Julho de 2020
AS PEDRAS DO CEMITÉRIO
Diziam os mais antigos que no primeiro cemitério de Clevelândia situado na rua Cel. Manoel Ferreira Belo, foram sepultados entre outros, muitos dos combatentes da Batalha do Rio São Francisco de Sales ocorrida em 1925, entre a Coluna Prestes, e as forças legalistas com participação estratégica do Batalhão de Voluntários Republicanos de Clevelândia. Os soldados de ambas as forças, com ferimentos graves, eram transportados de carroça ou a cavalo para a antiga Igreja Matriz de Clevelândia para serem atendidos por médicos e enfermeiros das forças legalistas, e enfermeiras voluntários da própria cidade. Entretanto, a grande maioria não resistiu, devido a gravidade dos ferimentos, e foram enterrados naquele cemitério,
sem caixões, alguns com identificação do prenome escrito na farda, e outros sem nenhuma identificação. Em razão das dificuldades da época, foram colocadas além de terra e pedras sobre as inúmeras covas que foram cavadas. Transcorridos muitos anos depois, surgiu um comerciante de outras plagas no pequeno povoado e animado com os tropeiros que passavam pelo local vindos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e até mesmo da Argentina, resolveu construir um mercado de “secos e molhados” e uma pequena pensão para hospedar os forasteiros. Empolgado com sua ideia, uma vez que não havia concorrentes na época, tratou de construir o mais rápido possível o seu estabelecimento, sem comentar com ninguém qual seria o objetivo do empreendimento, temendo que a sua ideia pudesse despertar algo semelhante em algum comerciante que explorava outra atividade. Com alguma experiência em carpintaria e também como pedreiro, resolveu iniciar a construção, mas precisava de pedras para fazer a sua base, haja vista que naquela época a compra de tijolos teria que ser feita em local distante da cidade, e isto certamente iria atrasar sobremaneira o final da obra além de aumentar o custo previsto. Ao passar uma tarde pelo velho cemitério, o comerciante teve a ideia de usar as pedras do cemitério para fazer o alicerce de sua obra. Com uma carroça fez o transporte das pedras para o local e começou a fazer a base da construção. Entretanto, algum tempo depois, antes mesmo do encerramento da fundação, fenômenos estranhos começaram a
acontecer no local. As galinhas cacarejavam durante a madrugada, os cavalos relinchavam a todo o momento, as corujas pousavam durante o dia no alicerce de pedras construído, e os cachorros uivavam durante a noite assustando a toda a população. Havia algo de estranho na rotina do pequeno povoado e jamais haviam visto nada semelhante. Ninguém da cidade tinha uma explicação lógica para aquela mudança abrupta do comportamento dos animais. Intrigado com os acontecimentos o comerciante procurou um velho Pajé que existia na região, para que pudesse esclarecer sobre a origem daquele “espetáculo “ nada convencional. Não tardou a resposta do experiente indígena: Não se brinca com espíritos meu filho ! Você retirou as pedras do cemitério que protegia o derradeiros abrigo dos mortos ! Desmanche sua construção e devolva as pedras que não lhe pertencem, no mesmo local onde estavam que tudo retornará ao normal ! O comerciante temeroso houve por bem seguir o conselho da autoridade espiritual, e desmontou a base de pedras levando para o cemitério, conforme foi aconselhado. Naquela noite, nem nos dias subsequentes, nada mais se viu ou ouviu de estranho no local que estava premeditado para a construção de um mercado de secos e e molhados e uma hospedaria, mas a paz voltou a reinar para todos, felizmente !
07 de Julho de 2020
A MARIA PAPUDA
Há muito tempo atrás a Nha Maria viveu na cidade de Clevelândia, tinha descendência indígena- primeiros moradores- do então pequeno povoado. Nha Maria percorria as fazendas do município, de charrete para vender rapadura, doces e outras iguarias. Era uma Senhora de meia idade, simpática, engraçada e conversadeira, mas tinha no fundo da alma uma grande tristeza que nunca havia revelado a ninguém. Ainda moça, teve um aumento da glândula da tireoide que se tornou visível no pescoço. Por esta triste razão, era chamada por todos como “Maria Papuda”. É claro que não havia nenhuma discriminação neste apelido infeliz, mas não há como deixar de reconhecer que era uma particularidade diferenciada em Maria e que a identificava diferentemente das demais pessoas.
- Lá vem a Maria papuda ! diziam os garotos para anunciar a chegada da simpática mulher !
- Vocês precisam conhecer as rapaduras que Maria papuda faz, são deliciosas, elogiavam as esposas dos fazendeiros !
- No aniversário do Joãozinho quero que Maria papuda faça os doces, porque ela tem a mão privilegiada, dizia a mulher do
delegado.
Enfim, Nha Maria era uma figura folclórica e estimada por todos. Vivia sozinha numa casa perto do Rio do Banho, mas constantemente era visitada por todos, e muitos a ajudavam nos seus afazeres “para dar conta das encomendas.”
Apesar de nunca deixar transparecer, Maria tinha um grande complexo do seu “papo” e buscava de todas as maneiras um remédio que pudesse diminuir aquele excesso e desconfortável saliência no seu pescoço. Naquela época não havia médicos na região, e os remédios se resumiam em chás, unguentos e simpatias. Um belo dia, alguém a informou que havia chegado um curandeiro na cidade, e Nha Maria ficou esperançosa que ele pudesse ter um remédio para aplacar a tristeza que sentia por ser “diferente”.
Imediatamente pegou a sua charrete e foi até a casa do curandeiro com o coração palpitando de alegria, confiante de eliminar de vez, aquele trauma que carregava desde o tempo de adolescência. Ao chegar no modesto rancho que lhe fora indicado, viu um homem de barbas longas e brancas.
- Boa tarde, o senhor é o curandeiro que chegou na cidade “há pouco tempo” ?
- Sim, sou eu, respondeu, em que posso ser útil ?
Por favor entre, convidou educadamente.
Nha Maria sentou na cadeira de palha da sala da casa simples do “curandeiro! E indagou:
- O Sr tem algum remédio ou simpatia que possa de resolver esse meu problema, apontando com o dedo indicador para o
avantajado pescoço.
O curandeiro examinou, e respondeu:
- Sim, tenho um o remédio que vai deixar a Senhora feliz.
- Exultante de alegria , interpelou apressadamente: Pode me receitar agora ?
- A Senhora vai precisar de um galho de arruda, um galho de alecrim, uma porção de vaselina, essência e óleo mineral. Eu tenho todos esses produtos. Depois a senhora vai misturar tudo numa bacia e passar três vezes ao dia no pescoço.
Nha Maria parecia não se conter de tanta felicidade, e perguntou ao curandeiro:
- O Senhor garante que vai resolver o meu problema ?
- O insensível “curandeiro” deu uma risadinha e respondeu:
- Resolver é impossível, mas que o seu papo vai ficar brilhante, isso eu garanto !!!!!
Glossário:
- Bócio: popularmente conhecido como papo, é o nome que se dá ao aumento da glândula tireoide. Esse crescimento anormal pode tomar a glândula toda e tornar-se visível na frente do pescoço. A doença se manifesta mais nas mulheres entre 20 e 40 anos, mas pode ocorrer desde o nascimento, o que caracteriza o bócio congênito. (wikipedia)
- Charrete: Carro ligeiro detração animal, de duas ou quatro rodas e varais. (dicionário)
- nha: Popular- Forma reduzida de sinhá; senhora, iaiá: Nhá Júlia. (dicionário)
- unguento: medicamento de uso externo à base de gordura; unto, untura.
15 de Janeiro de 2020
A LENDA DA ÁGUA DA BIQUINHA
Dizem os mais antigos moradores da nossa querida cidade, que a famosa “Água da Biquinha”, situada na antiga chácara de propriedade dos herdeiros de Manoel Lustosa Martins, tinha propriedades milagrosas. Quem dela saciasse a sede, despertaria amor tão intenso por esta terra que aqui permaneceria, algum dia retornaria, ou então dela, nunca mais esqueceria ! Lendo a crônica do falecido poeta paranaense Harley Clovis Stocchero, (“Recordações de Clevelândia” Sala do Poeta do Paraná 1992) que morou aqui na década de 1960, fui um dia desses visitar e fotografei a famosa cascatinha que eu buscava água quando criança, e faço minhas, as palavras do saudoso escritor.
"a biquinha estava escondida junto das árvores, em meio as pedras...a agua escorria pura e cristalina....ficava na baixada, em local sombrio, era fresquinha, quase gelada...e as pessoas vinham até ela, enchendo baldes e vasilhas para levar as suas casas....sorvi daquela deliciosa água, pedindo aos céus para um dia retornar a Clevelândia....” Coincidência ou não, ele retornou a Clevelândia em 1992 e me brindou com seu livro devidamente autografado, cujo o exemplar eu guardo com carinho. Teria sido a atração milagrosa da água da Biquinha? Os meus amigos Valmor Padilha e Paulo Motta que passaram a sua juventude nesta terra, e agora moram na capital, fizeram uma composição maravilhosa em homenagem a Clevelândia, e que merece ser gravada para ficar consolidada eternamente na mármore do tempo. Me permitam a liberdade para transcrever um verso e o refrão: Clevelândia eu fui embora, mas quem parte sempre volta, venho matar a saudade, da cidade que vivi, toda a minha mocidade. % Quem parte sempre volta, eu voltei..% .
Ubiraci Arruda
Paulo Motta
Nilton Loures
Geraldo Vailatti
Olimpio Marques
Esta é uma prova evidente que nunca esqueceram dessa terra. Teria sido a atração milagrosa da água da Biquinha? Não bastasse a “Água da Biquinha” ser um símbolo representativo da nossa terra, cantada em verso e prosa, também é um recurso natural de altíssimo valor econômico, estratégico e social. Afinal todos os setores da atividade humana necessitam fazer uso da água para desempenhar suas funções. Daí porque esta nascente deve ser preservada, com controle de erosão do solo, com barreiras vegetais de contenção e medidas que evitem a contaminação química e biológica. Fica a nossa sugestão para o município, através da Secretaria do Meio Ambiente, assim proceder para que “Água da Biquinha” permaneça atraindo a todos, que dela beberem e se transforme, quem sabe, futuramente, em mais um local de visitação pública. Nasci nesta terra, meus pais também, ainda criança, tomei água da biquinha, um dia parti para a cidade grande estudar, retornei e aqui permaneço !!!! Teria sido a atração milagrosa da água da Biquinha ? Uma coisa é certa: muitos aqui viveram e nasceram, depois partiram para outros destinos, atraídos pelos estudos ou trabalho, mas quem tomou a água da biquinha nunca mais esqueceu desta terra.
04 de Janeiro de 2020
EM CLEVELÂNDIA OCORREU O PRIMEIRO LINCHAMENTO DO SUDOESTE DO PARANÁ
Os primeiros colonizadores que chegaram na região sudoeste do Paraná vieram do Rio Grande do Sul em 1.920. Traziam na garupa dos cavalos o necessário nos pesuelos, além da esperança de desbravar novas terras e fincar raízes neste solo. Assim chegaram e derrubaram florestas de mata virgem para o plantio de milho que seria usado na engorda de porcos que depois eram vendidos, tendo como destino final o Estado de São Paulo. No vilarejo morava um próspero safrista chamado Pacífico Pinto que contratava os caboclos da região para derrubar a mata e plantar o milho para a engorda dos porcos. Ele se dizia proprietário de todas as terras da região de Fartura, de Caçadorzinho, em Vitorino, até Mariópolis, todos pertencentes à época ao Município de Clevelândia.. Nas terras de Pacífico só ficava quem ele autorizava.
Prefeitura Municipal de Clevelândia
Curiosamente apesar do prenome alvissareiro- Pacífico- não tinha nada de prenúncio de paz ou boas novas, ao contrário, era um homem violento que explorava a mão de obra alheia sendo protagonista exclusivo do seu benefício próprio. O seu método de trabalho era macabro, após a derrubada da mata e conclusão do trabalho, Pacífico preparava um almoço festivo, e pagava os trabalhadores na presença de testemunhas, com valores maiores do que havia combinado inicialmente. Os caboclos iam embora saciados e felizes, sem saber do destino cruel que os esperava. A certa altura da picada havia uma profunda cova natural, com vegetação rasteira que a escondia, uma espécie de “armadilha”. Pacífico contratava pistoleiros que emboscavam os trabalhadores, "enfiando os dedos pelas narinas, puxando a cabeça para trás e degolando-os feito bicho" jogando os corpos naquela cova. Nas redondezas de Pato Branco e Clevelândia era conhecido como “fabricante de viúvas”. Era um homem muito rico e poderoso que a história acabou revelando ser um dos assassinos mais frios da história da região. O cruel assassino foi descoberto, através do depoimento de um pistoleiro que se apaixonou por uma das viúvas de um dos caboclos assassinados sendo preso e levado a julgamento em 1928. No dia do júri em Clevelândia, um grupo de 15 cavaleiros acompanhados de familiares das vítimas, invadiram a sede do governo municipal (foto)- local onde estava sediado o Fórum da Clevelândia- atualmente prédio do Banco Bradesco. De armas em punho adentraram disparando suas armas afugentando o promotor, o juiz e demais autoridades que assustados se obrigaram a fugir. Após, agarrarem Pacífico e o levaram até a Praça onde ocorreu o seu linchamento, deixando o seu corpo irreconhecível. Contavam os mais antigos, que foi sepultado no antigo cemitério de Clevelândia.
(Fontes: Livro “Leviatã no Sertão”- Autor: Aruanã Antonio de Passos, Editora Juruá) Depoimentos de Aureliano da Rocha Loures, e Antonio Ayres de Arruda. Livro- Retorno 1- Origens de Pato Branco, 2ª Edição- Sittilo Voltolini)
04 de Janeiro de 2020
UMA INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA
Naquela manhã cheguei ao escritório mais cedo do que o costume, estava preocupado com um recurso de apelação, pois o prazo fatal para interposição iria encerrar naquela dia. Naquela época, lá pelos idos da década 1980, ainda não havia a internet e as petições eram elaboradas numa vetusta máquina de escrever. Depois de algum tempo de pesquisa (separei alguns julgados sobre a matéria) fui interrompido pela secretária, que esbaforida entrou na minha sala sem ao menos pedir licença, interpelando: Dr, tem uma pessoa aí muito nervosa e quer saber se pode ser atendida agora, o que digo a ela ? Diante ao visível estado de alteração da funcionária e aparente urgência da questão, imediatamente respondi: Sim, eu atendo peça para ela entrar. Quase de imediato, um homem simples, de meia idade, entrou na minha sala com aparência abatida, própria de quem não havia pregado os olhos durante toda a noite. Em pé na minha frente, retirou a certidão de casamento que estava dentro de um envelope e foi logo falando, sem ao menos se identificar. -Bom dia Dr, nem sei como começar. Bom dia, sente-se. -Comece pelo começo, brinquei, tentando faze-lo relaxar. – Sabe Dr, eu nunca imaginei que a Juvelina fosse capaz de fazer o que fez comigo. Foi falando com a voz embargada pela emoção. Eu levava café na cama para ela todas a manhãs, nunca deixei de lhe mandar flores no seu aniversário; abria a porta do carro para ela entrar....- Fui ouvindo com atenção a sua narrativa. – Imagine Dr, que no sábado passado realizei o grande desejo dela..O pobre homem parou de falar. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, e envergonhado procurava evitar o soluço. Tenha calma não fique nervoso ! Chamei a secretária e pedi que providenciasse um copo de água. Tomou um gole, e tentou se recompor, secando as lágrimas com o dorso dos dedos indicadores. – Diga lá, qual era o grande desejo dela que o Sr realizou, indaguei amistosamente, tentando desfazer aquele clima de tensão emocional. - Sabe Dr, ela tem paixão pela música “castelhana”, aquela que está tocando em todas as rádios, comprei um CD para ela,.ela sempre falava que o que mais queria na vida, era ir “num baile do conjunto “Terceira Dimensão! Não nego, e nem sei porque, tive uma vontade incontrolável de rir, mas disfarcei , abanando a cabeça, Aparentemente mais controlado, o possível futuro cliente prosseguiu. Fiquei sabendo que esse conjunto “ia tocar” um baile numa cidade próxima e fiz questão de comprar uma mesa de “pista” próxima ao palco, para ficar mais perto. Imagine Dr que na hora do intervalo fui chamar o cantor principal da banda, para “ir na nossa mesa autografar o CD do conjunto que eu havia dado anteriormente e providencialmente ela levou na bolsa. Fiquei imaginando com meus botões, um homem tão dedicado, tão carinhoso, que será que essa mulher tinha aprontado de tão grave. Seria uma traição ? – E o homem prosseguia no seu desabafo. Sabe Dr, nas férias de dezembro fomos para a praia, comprei um biquíni modelo “asa delta”, sabe aquele meio cavado que está na moda agora ? Lembro até que fiquei com ciúmes, porque ela foi numa barraca comprar milho duas ou três vezes, e eu reparei que todo mundo que estava próximo, ficava de ‘olho comprido”pra ela. Tive vontade de rir novamente, era um relato tragicômico, me contive. Afinal tinha que agir profissionalmente. O tempo foi passando e o homem contando sua mágoas, ,até que num certo momento, não aguentei mais ouvir e intrigado resolvi interromper a sua narrativa. – Lamento muito por tudo aquilo que o senhor me relatou, e o que ela lhe deu em troca, acho que o destino lhe pregou uma peça. Mas que sirva para o seu consolo que de pois de grande desilusão, é sempre tempo de recomeçar. Tenha esperança, o senhor teve a “consorte”..... Naquele momento o homem teve uma reação inesperada, levantou-se da cadeira totalmente transtornado e esbravejando bateu com a mão cerrada encima da mesa, me interrogando: Como é que o senhor Dr, pode me dizer que tive com sorte, depois de tudo o que eu fiz e ela me aprontou. Eu tive mesmo foi com azar. Não quero nunca mais ver essa infeliz da Juvelina. Vou procurar outro advogado, pegou a certidão, recolocou no envelope e saiu batendo a porta. Estupefato pensei comigo: ele nem deixou eu completar a frase: eu ia dizer que a consorte não merecia estar do do seu lado, porque ele era um homem atencioso que a amava tanto e fazia todos os seus desejos. No final das contas não fiquei sabendo nem mesmo o que ela teria aprontado de tão grave. Pelo sim e pelo não, nunca mais usei esse termo “consorte”, pois pode haver novamente uma interpretação equivocada para os leigos. Na sequência retornei para terminar o recurso, afinal o tempo urge.
(Conto publicado no Livro “Casos e Causos da Vida Forense”Tasca Editorial- Curitiba 2017)
Glossário:
consorte: aquele que divide a sorte com outro, pares da mesma aventura, companheira, esposa.
esbaforida: afobada, cansada
olho comprido: expressão que revela cobiça, desejo.
esbravejando: gritando, vociferando.
19 de Dezembro de 2019
A ORIGEM DA CACHAÇA !
A cachaça nasceu no Brasil com a escravidão, com a colonização e a transformação de nosso Império em República. A “bendita” por uns e “mardita” pra outros, vem atravessando os séculos alegremente contribuindo com o PIB nacional de maneira significativa. É tão popular que inspirou grandes poetas da música de raiz do nosso país. Quem nunca cantou nos carnavais de outrora a convidativa marchinha “Se você pensa que cachaça é água ? Cachaça não é água não...cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão (Mirabeau Pinheiro, L. de Castro H. Lobato – 1953) Ou então os versos de Elias Filho eternizado na interpretação de Sérgio Reis “Nessa casa tem goteira...., pinga ni mim, pinga ni mim...pinga ni mim...! Nesta casa tem goteira...pinga ni mim....pinga ni mim...pinga ni mim....
entre outras menos conhecidas. Os aguardentes dos quais se inclui a cachaça, são bebidas alcoólicas feitas a partir do líquido açucarado, que depois de fermentado se chama “mosto” e pode ser transformado em bebida. A tradicional “caninha” que conhecemos é feita a partir de cana de açúcar, através da garapa deste fabuloso capim doce. A cana de açúcar é conhecida há mais de 10.000 anos pelo homem e surgiu na Papua Nova Guiné. No Brasil conta a história, que foi Martim Afonso de Souza quem trouxe a primeira muda de cana para o país em 1.532. Nós que apreciamos a bebida pura ou pra fazer caipirinha, agradecemos penhoradamente a lembrança !
Fonte: Texto Adaptado do Livro Cachaças do Paraná- SEBRAE- Pr, 2005, 104 p.
02 de Julho de 2019
A REPARTIÇÃO DO QUEIJO !
A minha bisavó levantou bem cedo na fazenda e foi até o porão, apanhou da prateleira o maior queijo que havia feito alguns dias atrás, observou que estava bem redondinho, de cor amarelo palha, com um cheiro aprazível, e concluiu que estava em condições ideais para ser degustado. Tão logo fechou a porta com a tramela para retornar a cozinha, “deu de cara “ com meu bisavô que retornava da mangueira das vacas, com o balde de leite que havia ordenhado a minutos atrás, como costumeiramente fazia todas as manhãs. Surpreendido com o tamanho do queijo interrogou a sua companheira de forma brejeira:
- O que vai fazer com este queijo tão grande ?
- Falei com a comadre Maria ontem. Ela disse que viu São João Maria lá na fonte perto da cascata, respondeu de forma afável.
- Sim, e daí ? prosseguiu com curiosidade o velho fazendeiro.
- Ora bolas, vou levar para ele, sei que ele gosta de queijo ! respondeu com uma certa irritação.
- Tá certo, mas não é preciso levar esse queijo inteiro, é muito grande, corte pela metade ! Ponderou meu bisavô.
- Não vou fazer isso, o profeta São João Maria benze as fontes, cuida dos animais, protege a natureza, faz curas com ervas, dá conselhos e não come carne. Vou levar o queijo inteiro, ele merece ! Não seja sovina ! Respondeu com firmeza.
O fazendeiro sabia com quem lidava pelo convívio de tantos anos com a sua mulher, e qualquer “negociação” sobre a repartição do queijo, seria perda de tempo. Minha bisavó, era uma mulher de personalidade forte, e não costumava voltar atrás de suas decisões.
- Está bem, não vou teimar com você, mas acho que somente com a metade do queijo ele já ficaria feliz ! Arrematou meu bisavô.
Ela nem disse nada, ‘deu os ombros” e sem demora a bondosa senhora colocou o queijo num pequeno “balaio” e se dirigiu a cascata para encontrar o profeta que costumava “acampar” naquela região próxima a fonte. O trajeto não era longo, era seguro, e ela conhecia bem.
Tão logo chegou no local, encontrou o velho profeta sentado num “cepo” de madeira, e ao vê-la a recebeu com um sorriso nos lábios. Afinal já a conhecia de outras vezes.
- Bom dia, como vai a Senhora ? perguntou
- Vou bem, vim lhe trazer um queijo “fresquinho” sei que o senhor gosta, colocando o queijo nas mãos do profeta.
- Agradeço muito, respondeu.
- O profeta olhou para o queijo dentro da cesta coberto por um pano branquinho, tirou uma pequena faca da cinta e repartiu o queijo exatamente pela metade. Retirou uma parte e a outra deixou na cesta. Recobriu com o pano, e devolveu a minha bisavó.
Sem entender, ela olhou para o profeta e disse:
- Porque fez isso, eu trouxe o queijo inteiro para o senhor ?
- Sim, eu sei, a sua parte que me foi oferecida de bom coração, eu recebi, a outra leve de volta ao seu marido, ele fará melhor proveito. Respondeu o velho profeta.
Minha bisavó, lembrou da recomendação feita pelo marido antes de sair de casa sobre repartir o queijo, e sentiu um arrepio estranho.
Como poderia saber o velho profeta ?
Um mistério !!!!
A lição que fica: Doe a medida do que pode, mas sempre o faça de bom coração, com desapego !
Obs: O profeta João Maria de Jesus, surgiu misteriosamente, no Paraná e Santa Catarina, tendo vivido entre os anos de 1886 e 1908, percorria as fazendas da região e fazia curas com ervas, dava conselhos, e benzia águas e fontes.
15 de Maio de 2019
O SALAME E A PERERECA..... OU VICE E VERSA....
Tive o privilégio de ser professor pioneiro da antiga FESC (Faculdade de Ensino Superior de Clevelândia) da disciplina de Instituições de Direito Público e Privado do curso de Administração, por mais de dezesseis anos. Naquela noite a turma estava animada e participativa. A aula era sobre o Código de Defesa do Consumidor, assunto que sempre desperta curiosidade. Eu explicava que os consumidores devem sempre ser informados sobre a composição dos produtos que consomem, para que não sejam expostos a algum risco a saúde. O próprio Código Penal, considera infração a afirmação que não condiz com a realidade, bem como a publicidade que induza o consumidor a colocar em risco a sua segurança. Esclareci ainda, que o dano individual é mais difícil de ser comprovado, e dei alguns exemplos relacionados a carnes e embutidos, porque se trata de um produto perecível, que passa por alterações tanto no processo de produção quanto no transporte e armazenamento. Não é tarefa muito fácil comprovar que uma pessoa tenha passado mal por causa de um determinado produto, quando consome tantos tipos de alimentos. Dei alguns exemplos de casos reais debatidos na lide forense, e enquanto explicava, uma aluna sentada lá no fundo da sala levantou a mão, indagando:
-Professor, na semana passada levei minha irmã mal pra o hospital, porque ela havia tomado um iogurte que suspeitava estar estragado..
-Outro aluno, comentou que havia comprado uma mortadela, e ao cortá-la em fatias encontrou resquícios de plástico..
A sala ficou em polvorosa, parecia que todos os alunos haviam enfrentado uma situação típica de transgressão ao direito do consumidor
Expliquei ao crivo da lei, as questões concretas expostas pelos alunos, que interessados ouviam em silêncio, quando uma vez mais, fui interrompido.
-Dá licença professor!
Fiquei surpreso porque era o Nicolau, -o aluno mais tímido da sala- morava numa comunidade do interior, falava muito pouco, basicamente respondia a “chamada” e dizia “Tchau professor” na hora da saída. Quando eu fazia alguma pergunta a ele direcionado, ficava sem jeito, envergonhado, e não conseguia responder.
Me lembrava um pouco o inesquecível personagem do mineirinho “Joselino Barbacena” da Escolinha do Professor Raimundo, com seu bordão: “Ai, meu Jesus Cristinho, já me descobriu eu aqui de novo!
Os alunos impactados com a intromissão imprevisível do colega, se viraram para o lado do Nicolau, que meio sem jeito começou a falar:
-Sabe professor, lá na comunidade “que eu moro”, tem um vizinho que vende salame que ele mesmo fabrica. Fiquei sabendo que uma comadre da minha mãe comprou um salame na casa dele.
Sim Nicolau e daí ? esperando que concluísse.
-Nem sei se falo ! titubeou Nicolau...
Diga aí rapaz ! Não precisa ter vergonha encorajei...
Ele arrematou: Ela encontrou uma perereca no salame......
Não me contive e sem pensar respondi:
É de se estranhar Nicolau, pois seria normal encontrar um salame na perereca......
Não precisa dizer que diante da frase maliciosa, os alunos não conseguiam parar de rir, inclusive o tímido Nicolau, responsável pelo relato inusitado...
Naquela noite encerrei a aula mais cedo, e na hora da saída, já fora da faculdade ouvi alguns alunos gargalhando sobre a história da perereca e do salame ou salame e da perereca.
(Conto publicado no livro “Casos e Causos da vida Forense- Tasca Editorial 2017)
Glossário:
-Perereca: é um anfíbio pequeno ao qual pertencem os sapos e as rãs.(Admite também referência popular da vulva, vagina)
-Salame: é um alimento de origem italiana, cujo nome é derivado da palavra “salare(“salgar”) .(Admite também codinome popular de pênis, membro)